Curso brasileiro de guerra na selva recebe soldados da região e de outros continentes no momento em que País quer espalhar sua influência em partes do mundo em desenvolvimento
Publicado originalmente em português no Último Segundo/IG Por Simon Romero/ New York Times
O major José Maria Ferreira sorria enquanto listava as ameaças à sobrevivência humana na selva envolvendo este posto militar remoto na Amazônia brasileira. Ele começou com as piranhas, que se escondem nos rios, e as cobras como a surucucu, a mais longa cobra venenosa do hemisfério ocidental. Então, ele falou a respeito das criaturas silenciosas, incluindo a formiga-cabo-verde, encontrada em colônias na base das árvores. Sua picada, de acordo com vítimas, dói tanto quanto ser baleado e a dor dura 24 horas.
Sorrindo ainda mais, Ferreira descreveu a
leishmaniose, a doença causada por picadas da mosca de areia, as febres
por picadas de mosquitos, como a malária e a dengue e, finalmente,
rabdomiólise, uma condição causada por exercício extremamente
extenuantes. Isso leva a danos nos rins e à degradação do tecido
muscular esquelético, as vítimas podem identificar seu início quando a
urina se torna marrom escuro.
"Ficamos preocupados quando isso
acontece", disse Ferreira, 42, o porta-voz do Centro de Instrução de
Guerra na Selva do Brasil, que está entre as instituições mais exigentes
de seu tipo nos trópicos. "Essa coloração marrom significa 90% de
chance de morte."
Estranhamente, dezenas de soldados das
unidades militares de elite brasileiras, assim como membros das forças
de operações especiais de todo o mundo, competem todo ano pelas
cobiçadas vagas nos cursos do centro, que está emergindo como uma figura
principal da ambição do Brasil de espalhar sua influência em partes do
mundo em desenvolvimento, especialmente na América Latina e África.
Nos cursos que duram cerca de nove
semanas, os instrutores fazem com que os soldados cumpram algumas árduas
tarefas. Os soldados devem realizar longas caminhadas pela floresta,
nadar em águas infestadas de jacarés e piranhas e sobreviver por vários
dias sem comida, caçando seus próprios alimentos.
Os instrutores também privam os soldados
de sono, gritando insultos contra eles quando eles mostram sinais de
fadiga, e forçando-os a brigarem uns com os outros.
"Tem sido uma experiência muito, muito
difícil e cansativa", disse o tenente Djibil Toure, 26, um dos quatro
oficiais subalternos de uma unidade de operações especiais do exército
do Senegal enviados para participar do curso este ano.
Após o término do curso, Toure disse que
conselheiros militares brasileiros planejam viajar para o Senegal, onde
sua unidade está envolvida na luta contra a insurgência do Movimento
das Forças Democráticas de Casamance.
Para o Brasil, a oportunidade de treinar
soldados africanos ajudará a melhorar ainda mais seu perfil no outro
lado do Atlântico, num momento em que o comércio está crescendo entre o
Brasil e os países africanos. Além do Senegal, Angola começou a enviar
soldados para o centro, comumente chamado de CIGS.
O Brasil também disponibilizou os cursos
para os países em seu próprio hemisfério, para países como Argentina,
Venezuela, Guiana e Suriname. Mesmo a França, que possui soldados na
Guiana Francesa, uma região ultramarina que compartilha uma fronteira na
Amazônia com o Brasil e os Estados Unidos, ocasionalmente, envia
soldados para participar do treinamento.
Formar uma força militar que permitirá
ao Brasil construir sua soberania sobre a Amazônia, cerca de 60% dela se
encontra no Brasil e está sendo urbanizada a um ritmo acelerado,
continua sendo a principal prioridade do centro. O programa se concentra
em lidar com os desafios colocados pelo tráfico de cocaína, o
desmatamento ilegal, a mineração não autorizada de ouro e diamantes, e a
ameaça de incursões de guerrilheiros da Colômbia que procuram refúgio.
A tarefa de preparar os soldados para
missões no Brasil ou no exterior é em grande parte deixada para o
tenente-coronel Mario Augusto Coimbra, o instrutor-chefe no Centro de
Instrução de Guerra na Selva do Brasil.
Coimbra, um conhecedor auto-descrito do
uísque Jack Daniels, recentemente passou um período de férias no Texas
caçando porcos selvagens e possui uma coleção de facas de combate,
particularmente a faca nepalesa kukris, em seu escritório.
"O Rambo não conseguiria terminar este
curso", disse Coimbra, 44. "Pois ele é um individualista. Para realmente
sobreviver na selva você precisa trabalhar em equipe."
Ainda assim, mesmo as equipes formadas
durante o curso inevitavelmente acabam diminuindo. Dos 100 participantes
que iniciaram o curso este ano, restaram apenas 53 participantes quando
atingiram a metade do trajeto. Médicos e psicólogos monitoram
constantemente os soldados, solicitando sua remoção se eles parecem
estar muito cansados ou doentes. A última morte foi em 2008, quando um
soldado desmaiou enquanto nadava.
Em uma tarde recente, muitos dos
participantes pareciam magros e com olheiras, pois foram obrigados a
correr em formação sob chuva incessante. Todos eles tinham seus crachás
removidos de seus uniformes, e foram atribuídos números pelos
instrutores.
No. 14, o tenente Caio Nicoli Calggario,
do Espírito Santo, parecia exausto quando perguntado a respeito do
curso. Ele disse que um dos piores momentos ocorreu durante a fase de
sobrevivência, quando alguns soldados esfomeados comeram as larvas
encontradas na árvore de coco de babaçu.
"Eu dormi 10 minutos na noite passada",
disse ele, olhando para o chão. "É difícil caçar quando você está
cansado."
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