João Fellet e Luis Kawaguti
Para proteger riquezas marítimas como as reservas do pré-sal e combater crescentes ameaças de pirataria e narcotráfico no Atlântico Sul, a Marinha brasileira tem investido em sua capacidade de patrulhamento e expandido suas operações do outro lado do oceano, em águas africanas.
A estratégia, que segue um movimento da
diplomacia nacional rumo ao continente, também abarca o interesse de
vender armamentos brasileiros a países africanos, objetivo visto com
reserva por ativistas. As ações ocorrem ainda num contexto em que forças
americanas, britânicas e francesas demonstram crescente interesse pelo
Atlântico Sul.
Subchefe de estratégia do Estado Maior da Armada, o contra-almirante Flávio Augusto Viana Rocha disse à BBC Brasil que, nos últimos anos, países africanos com litoral no Atlântico e Moçambique, no Índico, passaram a ter para a Marinha a mesma importância que nações sul-americanas vizinhas.
Subchefe de estratégia do Estado Maior da Armada, o contra-almirante Flávio Augusto Viana Rocha disse à BBC Brasil que, nos últimos anos, países africanos com litoral no Atlântico e Moçambique, no Índico, passaram a ter para a Marinha a mesma importância que nações sul-americanas vizinhas.
Uma das razões para a atenção dada à
região é sua proximidade com o território nacional. A distância entre
Natal e Dacar, capital senegalesa, é menor que a linha que une os
extremos do Brasil.
Nas últimas semanas, num sinal do avanço
nas relações, o navio-patrulha brasileiro Apa visitou a Mauritânia,
Senegal, Gana, Angola e Namíbia. A embarcação foi a segunda de três que o
Brasil comprou da Grã-Bretanha a fazer um tour por portos africanos.
Nos próximos meses, o navio-patrulha Araguari deverá percorrer trajeto
semelhante.
Em seu périplo, tripulantes do Apa
ministraram cursos para marinheiros africanos, e o navio realizou
exercícios de combate a piratas com forças locais. Enquanto arrefece na
costa da Somália, na costa oriental da África, a pirataria tem se
agravado na margem ocidental do continente, especialmente no Golfo da
Guiné, que ocupa faixa paralela ao litoral do Norte e Nordeste do
Brasil.
A Organização de Comércio Marítimo
Internacional registrou 15 casos de pirataria na região no primeiro
trimestre de 2013, dos quais 11 ocorreram na costa da Nigéria. O país é
dono das maiores reservas petrolíferas da África Subsaariana e principal
exportador do produto ao Brasil.
Segundo o ministro da Defesa, Celso
Amorim, a Marinha não pretende combater os criminosos na costa africana,
mas sim capacitar forças locais para a tarefa. O treinamento também
busca evitar que a pirataria afete a rota comercial entre as regiões,
principalmente as compras brasileiras de petróleo.
Amazônia azul
A aquisição dos três navios-patrulha e a
construção de outras embarcações do tipo no Brasil buscam ainda
aprimorar a vigilância da chamada Amazônia Azul, como a Marinha se
refere às águas jurisdicionais brasileiras, que ocupam área equivalente à
Amazônia Legal.
Para essa missão, que ganhou importância
com a descoberta do pré-sal, a força tem como principal investimento o
submarino de propulsão nuclear, em desenvolvimento em parceria com a
França. Com grande autonomia de navegação, essa embarcação pode, em
tese, impedir ou dificultar bastante a aproximação da costa nacional de
forças navais hostis.
Outras preocupações da Marinha são o
contrabando, o tráfico de pessoas e o comércio de drogas. O último
relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife)
revelou que portos na costa ocidental da África entraram na rota da
cocaína que deixa o Brasil rumo à Europa.
O tema tem sido tratado por países
sul-americanos e africanos no fórum Zopacas (Zona de Paz e Cooperação do
Atlântico Sul), criado em 1986 com a missão de manter o oceano livre de
conflitos.
A coordenação entre forças brasileiras e
africanas deverá evoluir nos próximos meses, já que, segundo o
contra-almirante Flávio Rocha, a Marinha aceitou um convite da União
Africana para revisar sua estratégia de defesa marítima. Forças
nacionais discutem ainda com marinhas africanas a expansão de sistemas
de monitoramento marítimo conjuntos e a realização de manobras amplas.
Por ora, o Brasil tem na África do Sul,
maior força militar do continente, seu principal parceiro africano para
exercícios. A cada dois anos, tropas de ambos os países realizam
manobras com a Índia, no exercício Ibsamar, e com Uruguai e Argentina,
no exercício Atlasur. Forças brasileiras e sul-africanas também
desenvolvem conjuntamente um míssil ar-ar e um míssil ar-superfície.
O país africano em que forças brasileiras
exercem maior influência, porém, é a Namíbia, cujo litoral ocupa faixa
paralela à que vai do sul da Bahia a Santa Catarina. Desde que se tornou
independente da África do Sul, em 1990, a Namíbia já teve 1.315
marinheiros formados pela Marinha brasileira, que mantêm no país duas
missões para manutenção de navios e treinamento.
Militares brasileiros também realizaram
os estudos para a extensão da plataforma continental da Namíbia, que foi
chancelada pela ONU e ampliou a área em que o país pode explorar
recursos. Agora, diz o contra-almirante Rocha, o Brasil executa o mesmo
estudo em Angola e, em breve, deverá fazê-lo em Cabo Verde.
A Marinha vem ainda expandindo sua oferta
de cursos de formação e aperfeiçoamento para militares africanos. Desde
2011, África do Sul, Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe,
Moçambique, Nigéria e Senegal, além da Namíbia, enviaram marinheiros
para o Brasil. A prática de oferecer treinamento a forças aliadas é
comum entre potências como EUA e França.
Diplomacia militar
O estreitamento dos laços em defesa entre
o Brasil e países africanos tem sido facilitado pela rede de adidâncias
militares brasileiras no continente. Encarregadas de contatos com as
forças locais, as representações estão presentes em sete países
africanos, e há planos de cobrir outros seis em breve, segundo a
Marinha.
O governo espera que a expansão da rede
propicie mais negócios no setor. Nos últimos anos, o Brasil vendeu uma
corveta à Guiné Equatorial e Super Tucanos (aviões militares da Embraer)
a Angola, Senegal, Burkina Faso e Mauritânia.
Outros países africanos querem a
instalação de empresas brasileiras em seus territórios. Recentemente, a
Odebrecht e a Atech disputaram uma concorrência para a construção de uma
fábrica de armas na Argélia, mas o negócio não avançou. A Atech também
está desenvolvendo sistemas de vigilância para Senegal e Angola.
Organizações que monitoram a venda de
armas brasileiras cobram mais transparência nesses negócios. Camila
Asano, da ONG Conectas, defende que o Brasil seja um dos primeiros
signatários do ATT (Tratato sobre o Comércio de Armas, em inglês),
aprovado em abril na ONU. O acordo, que será aberto para ratificações em
3 de junho e passará a vigorar a partir da 50ª adesão, define critérios
para a exportação de armas e exige a divulgação de todas as transações.
Para Daniel Mack, do Instituto Sou da
Paz, a Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar
(Pnemem), que vigora desde a ditadura militar, está obsoleta. Ele afirma
que o Brasil deve não só ratificar o ATT como tornar a legislação
nacional sobre venda de armas ainda mais abrangente, proibindo, por
exemplo, exportações a órgãos não estatais.
Segundo o ministro da Defesa, Celso
Amorim, os equipamentos bélicos exportados à África são para proteção do
Estado, e não para uso contra a população civil. Ele diz que o Brasil
sempre seguiu sanções da ONU sobre vendas de armas.
"Verifique as guerras civis na África e
veja quem forneceu armamentos por cima e por baixo do pano para grupos
que não respeitavam nem resoluções da ONU, nem o direito internacional.
Nós não queremos vender por baixo do pano, não venderemos", diz Amorim. Defesanet
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