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sábado, 6 de julho de 2013

'É simplista chamar de golpe', diz analista brasileiro sobre crise no Egito

Aldo Sauda acredita que o Egito vive um longo processo revolucionário.

Presidente foi tirado do poder pelo exército na última semana.

Giovana SanchezDo G1, em São Paulo

"Chamar o que está acontecendo [no Egito] de golpe é extremamente simplista", analisa o brasileiro Aldo Cordeiro Sauda, internacionalista que morou no país em 2011, quando o ex-ditador Hosni Mubarak foi derrubado, e vive atualmente em Beirute, no Líbano. Para ele, a derrubada do então presidente Mohamed Morsi do poder pelo exército nesta semana deve ser analisada no contexto da revolução que tirou Mubarak.
"O que há é um processo revolucionário em curso em que a massa vai para a rua - em números falam que pode ser a maior movimentação popular da história Moderna - sem instrumentos de poder, sem controle. A massa vai a rua, faz a denúncia, mas ela não tem organismos civis para a tomada do poder ou para ela mesma derrubar o presidente."
Veja a entrevista completa:
G1 - Como você avalia a atual conjuntura e golpe de Estado no Egito?
Aldo Sauda - 
Chamar o que está acontecendo de golpe é extremamente simplista. Primeiro do ponto de vista legal. Quando você diz que há um golpe, você parte do pressuposto de que houve uma ruptura na ordem constitucional egípcia. Acontece que, em novembro de 2012 já houve uma ruptura da ordem constitucional feita pelo próprio Morsi, na qual ele acumulou para si todos os poderes tanto legislativos quanto judiciários. [...] A partir de novembro de 2012, o Morsi, em termos de poderes institucionais e controle popular que havia sob seu mandato, era mais ditatorial que o [ex-ditador Hosni] Mubarak.
[...] A grande ruptura constitucional que houve no Egito foi em novembro de 2012. Portanto, toda legitimidade do regime a partir de então ficou em cheque. Mas, mais do que isso, me preocupa que todos chamem o processo de fevereiro de 2011 de Revolução e esse de agora de golpe. Acho que essa resposta é até um pouco ideológica. O que existe é um processo longo, contraditório, mas com uma revolução em curso. O exército entrou no jogo para segurar o movimento. Você tinha 17 milhões de pessoas nas ruas, violência e aí o exército derruba o Morsi. Não estou dizendo que o exército é uma maravilha. Mas o que houve [agora] é muito similar ao que houve em 2011. Com a diferença de que agora estava muito maior. Me lembro que uma das últimas manifestações de 2011 tinha cerca de 6 milhões nas ruas. Agora tem o dobro.
É tão similar ao que aconteceu em 2011, que me parece errado classificar o que aconteceu em 2011 como 'ah, que maravilha, primavera árabe, liberdade, democracia' e o que aconteceu agora apenas como golpe, uma medida autoritária. Isso não quer dizer que não haja como parte do processo um golpe de Estado. Assim como houve em 2011 também um golpe de Estado. Mas, quando você fala em golpe, você carrega uma conotação repressiva e reacionária. O que há é um processo revolucionário em curso em que a massa vai para a rua - em números falam que pode ser a maior movimentação popular da história Moderna - sem instrumentos de poder, sem controle. A massa vai à rua, faz a denúncia, mas ela não tem organismos civis para a tomada do poder ou para ela mesma derrubar o presidente. Então outros organismos o fazem, um dos grupos, usando a legitimidade do povo, toma o poder e derruba o poder anterior.
G1. Por que não foi um impeachment, então?
Aldo Sauda -
 O Morsi estava acima de todas as instituições jurídicas e legislativas. Além disso, existe um vácuo institucional no país. Morsi dissolveu a Assembleia Constitucional e puxou os poderes para si em novembro de 2012. Quer dizer, ele deu um golpe em 2012. Isso [que acontece agora] é mais um contragolpe do que qualquer outra coisa. Quando você olha todo o processo constitucional egípcio é uma bagunça, existe dificuldade de se dizer que Constituição se aplica no Egito hoje, há diversas interpretações. Na verdade [isso] se explica porque a legitimidade do processo em meio a uma revolução de massas não vem de um debate legalista, ela vem das ruas. Revoluções são assim.
Hoje no Egito, mais do que nunca, o povo está erguendo fotos dos militares, os mesmos que estavam no poder e oprimindo o povo antes. Agora, porque quando os egípcios fazem isso é um absurdo e quando no Brasil, nas manifestações, estava cheio de skinhead e neonazista batendo em pessoas dos movimentos sociais é normal? Isso não erradica do movimento seu caráter progressista. O fato de que você vai ter comportamentos reacionários e comportamentos autoritários, uma série de contradições dentro do movimento, não significa que não seja uma revolução. A massa é contraditória.
G1. O que vai acontecer com a Irmandade Muçulmana agora?
Aldo Sauda -  Essa é a pergunta do milhão. Não sei, mas acho que vai fracionar a Irmandade. Foi um governo muito desastroso. Acho que a Irmandade vai passar por uma crise muito grande, e politicamente a tendência é ela se desintegrar. Não sei se alguns setores mais radicalizados vão partir para a clandestinidade e fazer atos terroristas, pois não seria a primeira vez que isso acontece. Até agora no Egito, desde o começo da Revolução, o regime de [Hosni] Mubarak não foi derrubado. A Irmandade nunca foi radicalmente contra o regime. Eles tinham uma relação muito complexa com os militares. O regime não caiu quando Mubarak caiu, quando Morsi foi eleito o regime não caiu, houve uma mudança nas cartas, mas não caiu. E agora também não. Está balançando, mas não caiu. Morsi não foi uma ruptura com esse regime. É muito complicado e confuso.
Há uma crise econômica e social, então quem está no governo vai rodar. É um país de famintos, miseráveis, é o país que mais importa grãos no mundo e não houve ruptura da política econômica de Mubarak. E também não há uma situação mundial que permita uma grande recuperação econômica do Egito.
A tendência, eu acho, é o processo continuar indo nesse caminho. Ou sai um movimento que consiga tomar o poder das massas - que não seja os militares nem a Irmandade - ou entra alguém e esmaga o movimento - o que levaria um enorme derramamento de sangue. Se isso não acontecer esse ciclo continua. Derruba o governo, entra um novo governo, fica um pouquinho e o povo fica cansado e vai para a rua de novo.
[...] O povo vai para a rua, mas não sabe para onde ir. É uma grande crise de direção. As pessoas sabem o que não querem, mas não estão dispostas a terem uma organização.
G1. E o [prêmio Nobel da Paz] Mohamed ElBaradei?
Aldo - 
ElBaradei apostou em construir uma frente nacional de oposição, chamada Frente de Salvação Nacional, mas a única coisa que unifica essa frente é que ela é oposição. Além disso, existem poucos elementos que a mantém unida. Ela se formou recentemente em oposição ao Morsi e não tem um programa claro.
G1. Ele não pode ser um nome de união?
Aldo Sauda 
- Acho ElBaraei fraco. Como político, com posições fracas. Ele não é um sujeito de massas. E, além de tudo, ele não tem nenhuma organização política capaz de sustentá-lo. Quem tem é um sujeito que está próximo a ele que se chama Hamdeen Sabahi, que não sei como vai se movimentar agora.
G1. Você acredita na possibilidade de uma guerra civil?
Aldo Sauda -
 Acho que volta para a pergunta sobre o que vai acontecer com a Irmandade. Não descartaria um cenário do qual você tivesse carros-bomba explodindo, coisas assim. Acho que não dá para descartar nada agora. Agora, guerra civil tipo Síria, não. Acho muito difícil. 
G1/ SoS Família Militar

 

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