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quinta-feira, 11 de julho de 2013

Infância cibernética


Falta de tecnologia própria deixa Brasil vulnerável à espionagem,
admite ministro da Defesa
Demétrio Weber
Vinícius Sassine
BRASÍLIA

O ministro da Defesa, Celso Amorim, reconheceu ontem a "vulnerabilidade" da rede de comunicação do governo federal, com risco real de violação de informações oficiais. Amorim falou sobre o assunto ao participar de audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado. Ele afirmou que a defesa cibernética do governo está "ainda na infância", e aproveitou para reclamar veladamente do baixo orçamento da área de proteção cibernética: menos de R$ 100 milhões previstos no Orçamento da União de 2013 - o equivalente a um quarto do que o Reino Unido gasta nesse tipo de atividade.

Os ministros das Relações Exteriores, Antonio Patriota, e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, José Elito, também compareceram à audiência, convocada após a denúncia, revelada numa série de reportagens do GLOBO, de que os Estados Unidos espionam telefonemas e mensagens via internet no Brasil e em outros países da América Latina.

Antes da audiência no Senado, o Palácio do Planalto divulgou nota informando que pedirá esclarecimentos adicionais ao governo dos EUA, além da solicitação formal já feita na última segunda-feira. As questões adicionais serão formuladas pelo grupo técnico criado pelo governo para analisar o tema. Os três ministros fazem parte do grupo.

"O governo brasileiro não autorizou nem tinha conhecimento das atividades denunciadas. A eventual participação de pessoa, instituição ou empresa do país nestas atividades é inconstitucional, ilegal e sujeita às penas da lei", diz o texto.


PATRIOTA: PODE-SE OUVIR SNOWDEN NA VENEZUELA

Ao final da audiência, o ministro Patriota declarou a jornalistas que caberá ao grupo técnico "identificar pontos específicos para a busca de esclarecimentos adicionais".

- Esperamos que esses esclarecimentos sejam fornecidos. Não foram satisfatórios até agora - disse Patriota.

O Itamaraty informou que, anteontem, o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, disse a Patriota que uma equipe de técnicos dos EUA prestará esclarecimentos sobre a denúncia de espionagem. O ministro reiterou que o Brasil não concederá asilo ao ex-técnico da CIA (Agência Central de Inteligência) Edward Snowden, responsável pela revelação de programas secretos de espionagem americana no mundo inteiro através da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês). Indagado se não seria útil ao país abrigar Snowden para obter dele mais informações sobre a vigilância americana no Brasil, Patriota declarou que isso não seria necessário - uma vez que o Brasil pode ouvir Snowden na Venezuela ou em qualquer outro país para onde ele decida ir.

- Foi instaurado inquérito pela Polícia Federal. Então, essa é uma decisão que vai ser da Justiça: como e quando são ouvidos os diferentes atores que podem proporcionar elementos importantes nessa questão - disse Patriota. - A informação que eu tenho, mas é uma informação de imprensa, eu não tenho uma informação privilegiada, é de que o senhor Snowden teria aceitado a oferta de asilo pela Venezuela e poderá se dirigir à Venezuela.

O ministro da Defesa, por sua vez, enfatizou a necessidade de investir em tecnologia nacional de segurança de informações. Os EUA, lembrou Amorim, admitem monitorar apenas metadados, isto é, os registros de ligações telefônicas e e-mails, sem acessar o conteúdo, o que não diminui a gravidade e o valor estratégico da espionagem:

- A situação em que a gente se encontra hoje é realmente de vulnerabilidade. Por mais que tenhamos proteção dos dados sigilosos pela criptografia, a mera detecção sobre o tipo de contato mantido já é uma informação de valor analítico para um eventual adversário do país - afirmou o ministro da Defesa.

Segundo Amorim, o núcleo de defesa cibernética existente no Exército Brasileiro ainda é "jovem", em funcionamento desde 2011. Depois da divulgação das informações sobre a suposta espionagem, o ministro se reuniu com os chefes das Forças Armadas para dimensionar a fragilidade dos dados que circulam no país. Amorim também os questionou sobre a suposta existência de uma base de espionagem americana em Brasília, pelo menos até 2002. Os comandantes militares responderam não ter informação a respeito.

- As reuniões internas com as Forças Armadas serviram para verificar o grau de vulnerabilidade, para saber se dados de interesse militar podem ter sido atingidos de alguma forma. Uma resposta cabal sobre isso será difícil - afirmou Amorim.

ITAMARATY TEM PROTEÇÃO "RAZOÁVEL"

Segundo ele, as mensagens no âmbito do Ministério da Defesa e do Itamaraty são criptografadas e, por essa razão, gozam de uma proteção "razoável". O general Elito, por sua vez, chegou a dizer que, nesse caso, o grau de segurança "é excelente".

Após a audiência, o ministro da Defesa ressaltou que a vulnerabilidade citada diz respeito às informações de governo, e não às trocas de telefonemas, e-mails e dados por cidadãos comuns.

- Nem o Brasil, nem nenhum país do mundo tem capacidade de proteger tudo - afirmou.

A senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) propôs a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso. Ela diz ter recolhido mais de 40 assinaturas, o que seria suficiente, segundo ela, para instaurá-la. O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), afirmou que ainda é cedo para avaliar se uma CPI será necessária.

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