Há um ano, um incêndio destruiu 80% da
estação brasileira na Antártida, levou boa parte dos 28 anos que o país
tinha de história na região e matou dois militares. Hoje, a Estação
Antártica Comandante Ferraz é um canteiro de obras e 200 pessoas
trabalham ativamente para aproveitar o bom tempo do verão. A base vive
um momento híbrido. Militares que ajudaram a construir a estação agora a
desmontam. São 800 toneladas de sucata.
Contêineres estão em terra para formar a base provisória e abrigarão pesquisadores e militares enquanto o Brasil reconstrói as instalações. O projeto deve ser escolhido no mês que vem a partir de um concurso da Marinha e do Instituto de Arquitetos do Brasil. A nova sede deve custar R$ 100 milhões.
Quatro dias na Antártida - O Brasil que vive no frio
Contêineres estão em terra para formar a base provisória e abrigarão pesquisadores e militares enquanto o Brasil reconstrói as instalações. O projeto deve ser escolhido no mês que vem a partir de um concurso da Marinha e do Instituto de Arquitetos do Brasil. A nova sede deve custar R$ 100 milhões.
Quatro dias na Antártida - O Brasil que vive no frio
Passou das 21 horas e faz frio. A luz
azulada confere um tom estranho à Península Keller - ainda não é noite
nessa baía de mar silencioso e montanhas sem vegetação. Há neve, gelo e
ossadas de baleia à esquerda. Há neve, gelo e um poste com uma lanterna
romântica à direita - poderia estar embalando um tango argentino em San
Telmo, mas aterrissou aqui, na baía do Almirantado. Pequenos tratores,
alguns contêineres verdes a poucos metros da água e uma fileira de
barracas coloridas tornam tudo mais surreal. Como se fosse possível.
Esta é a ilha Rei George, no arquipélago
das Shetlands do Sul, Antártida. É a localização da Estação Antártica
Comandante Ferraz, a EACF, base científica que o Brasil possui desde
1984 em uma praia que serviu a baleeiros ingleses no passado. Do lado
direito, a 130 quilômetros daqui, está a Península Antártica, a ponta
proeminente desse continente bem maior que o Brasil. A Antártida tem
12,6 milhões de quilômetros quadrados quase totalmente recobertos de
gelo. É rodeada pelo Oceano Austral, o nome das águas geladas que se
formam no encontro do Atlântico, do Pacífico e do Índico. Oceano e
continente somam mais de 50 milhões de quilômetros quadrados. Essa terra
de pinguins é 10% da superfície do planeta.
Os humanos que chegam até aqui costumam
ser um ponto fora da curva. Há militares ou pesquisadores - os primeiros
não podem exercer sua atividade básica e estão aqui dando muito duro
para tornar possível o trabalho dos cientistas. Eventualmente há
jornalistas e políticos. Turistas, só os de muito dinheiro. As paisagens
de muitos tons de cinza e branco seduzem pela curiosidade e pela
aventura. É uma das áreas mais desconhecidas do planeta. Quando se trata
de Antártida, somos muito ignorantes.
A maior confusão vem com a outra região
polar, o Ártico. Aquilo é um oceano gelado com algumas regiões de terra,
isto aqui é um continente que dá uns Estados Unidos e meio. "A palavra
Antártica significa "oposto ao Ártico", lê-se no livro do escritor
chileno Francisco Coloane.
No Ártico há povos indígenas, na Antártida só há pinguins (e eles, é bom que se diga, só encontram ursos polares no zoológico). No Ártico a exploração de recursos naturais avança no mesmo ritmo em que o gelo derrete. Na Antártida, uma moratória limita as atividades humanas à pesquisa e ao turismo. Entre as similaridades, há um fenômeno sombrio coincidente. Ártico e Antártida têm ecossistemas frágeis e são regiões que vêm sofrendo intensamente com o aquecimento da Terra.
No Ártico há povos indígenas, na Antártida só há pinguins (e eles, é bom que se diga, só encontram ursos polares no zoológico). No Ártico a exploração de recursos naturais avança no mesmo ritmo em que o gelo derrete. Na Antártida, uma moratória limita as atividades humanas à pesquisa e ao turismo. Entre as similaridades, há um fenômeno sombrio coincidente. Ártico e Antártida têm ecossistemas frágeis e são regiões que vêm sofrendo intensamente com o aquecimento da Terra.
O Ártico e a Antártida têm ecossistemas frágeis e são regiões que vêm sofrendo intensamente com o aquecimento da Terra
Em Ferraz, agora à noite, está zero grau,
mas a sensação térmica é de dez negativos. Um grupo vestindo macacões
escuros e botas pesadas aguarda o bote de borracha na margem. O
comandante Paulo Cesar Galdino de Souza é o chefe da estação e comanda
as boas-vindas aos que desembarcam às vésperas do Carnaval, mesmo se
apenas por uma hora, antes de pernoitar no navio. Não há muito como
dormir ali. Apertos de mão são desconfortáveis com luvas tão recheadas.
Sem proteção, os dedos gelam. E essa é a costa, a Antártida marítima, onde faz menos frio e é fevereiro, o mês mais quente nessa parte do mundo. Imagine-se o que acontece no continente, onde as médias da temperatura oscilam entre -25º C e -45º C.
Sem proteção, os dedos gelam. E essa é a costa, a Antártida marítima, onde faz menos frio e é fevereiro, o mês mais quente nessa parte do mundo. Imagine-se o que acontece no continente, onde as médias da temperatura oscilam entre -25º C e -45º C.
Há abraços comovidos na praia. É o
primeiro encontro entre alguns pesquisadores e militares depois do
acidente que arrasou quase todo esse cenário há um ano.
Ninguém gosta de falar a respeito. Na
madrugada de 25 de fevereiro de 2012, um incêndio na praça das máquinas
destruiu 80% da estação brasileira, levou boa parte dos 28 anos que o
Brasil tinha de história na Antártida e matou dois militares que
tentaram combater as chamas, o suboficial Carlos Alberto Vieira
Figueiredo e o primeiro-sargento Roberto Lopes dos Santos.
O vento soprava forte na direção do fogo e alimentou o acidente. A energia acabou. Não havia como bombear água dos dois lagos próximos ou derreter o gelo. Civis e militares tentaram em vão salvar Ferraz. Na manhã seguinte 45 pessoas foram resgatadas por todos os colegas de países que estavam na área. Na Antártida, a natureza dá as cartas e os homens se ajudam como podem.
O vento soprava forte na direção do fogo e alimentou o acidente. A energia acabou. Não havia como bombear água dos dois lagos próximos ou derreter o gelo. Civis e militares tentaram em vão salvar Ferraz. Na manhã seguinte 45 pessoas foram resgatadas por todos os colegas de países que estavam na área. Na Antártida, a natureza dá as cartas e os homens se ajudam como podem.
Quem acumula experiência nesse ambiente
de extremos repete duas coisas: que o clima muda sempre, e é sempre de
repente, e que o espírito de cooperação é de verdade entre as 29 nações
com atuação no continente. São os países com estações e programas de
pesquisa na Antártida, os que podem decidir o destino dessa parte do
mundo. O Brasil conquistou esse direito em 1983.
Pela manhã, a visão da estação brasileira
a um ano do incêndio que a desfigurou é muito nítida. Ferraz é um
canteiro de obras. São 200 pessoas trabalhando ativamente para
aproveitar os momentos de bom tempo do verão, de outubro a março. Quatro
tratores, uma pá carregadeira, duas tesouras mecânicas e até duas
picapes vermelhas trabalham no desmonte da sucata ou na instalação de
módulos para montar a estação provisória. As botas pesadas afundam na
lama. Uma construção alta está sendo repintada de verde, a cor original
de Ferraz. É o "garajão" que sobreviveu ao incêndio, mas exibe toda a
lateral enegrecida.
Baía do Almirantado, onde fica a base brasileira
Botes de borracha pretos são lançados do
NApOc (Navio de Apoio Oceanográfico) Ary Rongel trazendo pesquisadores
com suas pesquisas em caixas de marfinite. Militares que ajudaram a
construir Ferraz agora a desmontam. Usam maçaricos para rasgar as
ferragens e embarcá-las nos porões do cargueiro Germânia, o pivô da
operação desmonte. Do navio argentino Bahia San Blas, contêineres
brancos novos são trazidos à terra - formam os módulos emergenciais que
abrigarão o povo de Ferraz enquanto o Brasil reconstrói sua nova base.
Técnicos ambientais monitoram os impactos da agitação e procuram medir
os danos do incêndio nessa paisagem esplêndida.
O único barulho é o do vento. Há uma
névoa fina sobre as cruzes que lembram os mortos ingleses e brasileiros.
Algas vermelhas se espalham pela praia, um pinguim curioso vem espiar.
Neva por alguns minutos em Ferraz. O fim do mundo é ambivalente. A
estação brasileira vive a dualidade de resgatar o passado e preparar o
futuro.
"A neve batia no teto do "garajão",
quando chegamos em novembro", conta o comandante Galdino. Foram dez
dias só para retirar os 60 mil metros cúbicos de neve que haviam se
acumulado no inverno e cobriram os escombros. No início usaram pás e
picaretas. Tiveram que dormir duas noites em tendas, sem poder regressar
ao barco, porque o tempo virou.
Só o "garajão", o módulo de química
e o de análises meteorológicas, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, o Inpe, sobreviveram ao fogo. O incêndio também confundiu o
planejamento das Operantar, as operações antárticas brasileiras que
existem desde 1982 e são organizadas pela Marinha. Em Ferraz, mesmo no
inverno, costumam permanecer militares cuidando das instalações. Não
havia como manter essa rotina em 2012. A neve assumiu o controle.
A cena começou a mudar em outubro.
Foi quando se iniciou a Operantar XXXI, "a maior realizada pelo país em
termos logísticos", qualifica a Marinha. Qualquer Operantar já é algo
gigante e minucioso. Normalmente envolve dois navios - o Ary Rongel e o
Almirante Maximiano -, voos da Força Aérea Brasileira (FAB) e o
atendimento de 20 programas de pesquisa de diversas universidades e
institutos do país, cada qual com exigências específicas. Um cientista,
por exemplo, dedica-se ao monitoramento da camada de ozônio, o outro
examina que vegetação aparece quando o gelo retrocede, um terceiro está
preocupado em fazer o censo das aves, outra pesquisadora quer analisar
sedimentos marítimos. A Operantar é uma operação de guerra.
Para se ter uma ideia dessa
complexidade, apenas no abastecimento do Ary Rongel foram embarcados
7.750 quilos de carne bovina, 2.500 de peixe e 2.300 de frango, para
ficar só em três itens. Tem Natal e ano-novo pelo caminho, então precisa
de peru, lentilha e bacalhau. São mais de 2 mil comprimidos de dipirona
e paracetamol. O Ary precisa de 700 mil litros de combustível se quiser
permanecer 45 dias no mar. Não há supermercado nem posto de gasolina na
Antártida.
O incêndio fez da Operantar XXXI uma
equação muito mais difícil. São 550 homens e mulheres envolvidos nessa
edição. Há as tripulações dos cinco navios - contando-se também o
Germânia, o Bahia San Blas e o Felinto Perry, que ajuda no transporte de
material - e 200 pesquisadores circulando pelo gelo. O navio Maximiano
vai passar 160 dias no mar e carregar 109 pesquisadores. A FAB agendou
dez voos do C-130 Hércules, com várias incursões entre Punta Arenas, no
Chile, e a base Eduardo Frei, onde pousam os brasileiros. "A Antártida é
um continente de superlativos", bem define o contra-almirante Marcos
Silva Rodrigues, secretário da Comissão Interministerial para os
Recursos do Mar, a Secirm.
O navio Germânia, núcleo da operação desmonte
Esse gigantismo é, também, muito frágil. O
glaciologista Jefferson Simões, coordenador de projetos científicos do
Proantar, lembra, por exemplo, o degelo que ocorre na Península
Antártica. A ilha Rei George perdeu 8% de sua cobertura de gelo entre
1956 e agora. "Mas é bom lembrar que estamos tratando de menos de 1% do
volume de gelo total", relativiza. Ele acredita que as atividades
científicas brasileiras estejam voltando ao normal na região e diz que
até abril o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) estará
examinando a proposta de reestruturação da parte científica do Proantar.
"O programa fez 30 anos. Tem que ter maior protagonismo internacional e
representar a nossa melhor ciência, que evoluiu muito nestes anos", diz
Simões. "Temos que trazer a Antártida para as questões do cotidiano
brasileiro", defende.
"A Antártida é um laboratório vivo", diz
Antonio José Teixeira, comandante reformado da Marinha, duas vezes chefe
da estação brasileira e uma das maiores autoridades nesse universo
branco. "O Proantar formou um grande número de pesquisadores, tornou-os
especialistas em Antártida", conta. "O Brasil fez o único presidente não
anglo-saxão do Scar", registra, referindo-se ao órgão científico
mundial mais importante relacionado ao continente e ao geólogo Antonio
Carlos Rocha-Campos, professor do Instituto de Geociências da USP, que o
presidiu em 1994. "Na parte operacional e de logística o Brasil
aprendeu a operar em regiões longínquas e de clima glacial", comenta.
Ele explica por que conhecer e estudar a Antártida é crucial para o Brasil: "Ter uma previsão de tempo melhor ajudará a agricultura. Conhecer mais as correntes antárticas nos dará mais informações sobre pesca. O arquivo da história do clima está na Antártida".
Ele explica por que conhecer e estudar a Antártida é crucial para o Brasil: "Ter uma previsão de tempo melhor ajudará a agricultura. Conhecer mais as correntes antárticas nos dará mais informações sobre pesca. O arquivo da história do clima está na Antártida".
"Muitas vezes viramos a noite
trabalhando", conta a bióloga Wânia Duleba, do Instituto de Geociências
da USP, que acaba de voltar de uma expedição a bordo do Maximiano. Ela é
a vice-coordenadora de um projeto coordenado por Rocha-Campos que
estuda o paleoclima na Antártida - "algo da ordem de milhões de anos",
esclarece. Em suas pesquisas, pôde contar com o guincho geológico do
navio. "Foi um salto enorme na qualidade da nossa pesquisa", diz,
satisfeita com os resultados de sua terceira vinda à Antártida.
Em 25 de fevereiro de 2012, um incêndio
destruiu 80% da estação brasileira e matou dois militares que tentaram
combater as chamas
A professora Rosalinda Montone, do
departamento de oceanografia física, química e geológica da USP, é uma
veterana no continente da Antártida. Iniciou pesquisas por aqui em 1988.
Ela trabalha com o monitoramento de poluentes orgânicos na região.
"Posso dividir minha experiência na Antártida em antes e depois da
internet", diz. Eram apenas 25 pessoas na estação da primeira vez em que
esteve aqui. "Antes você estava isolado do mundo. Tinha saudade, mas
fazia novos amigos", lembra-se. "A internet aproxima quem está longe,
mas a troca pessoal diminuiu."
"Às vezes ficamos uma semana inteira sem
poder fazer coleta, por causa do tempo. Aqui você aprende a aceitar
melhor as ocasiões em que não pode fazer nada", diz a bióloga Vivian
Pellizari, que esteve pela primeira vez na Antártida em 1997. Ela é
microbiologista, estuda um mundo invisível. Entusiasma-se quando conta
da "Exiguobacterium", que vive nestas águas congeladas. "Ela consegue
tanto sobreviver a -2º C como a quase 40º C." A cientista tem um projeto
na Antártida há 16 anos, mas ficou 7 anos sem vir. "Tenho um filho,
hoje com 22, mas durante um tempo preferi ficar com ele e treinar minha
equipe", conta.
A Antártida é, por legislação
internacional, um território para pesquisas. As normas legais do Sistema
do Tratado Antártico, do qual o Brasil é signatário, definem regras que
devem ser seguidas à risca pelos países que atuam no continente. Não
pode haver atividade militar; testes nucleares nem pensar. Os programas
científicos têm que ser contínuos para os países que querem ter direito a
voto. Técnicos de um país podem inspecionar o que acontece na estação
vizinha e vice-versa, para garantir a proteção ambiental do continente. A
exploração econômica de recursos naturais está suspensa até 2048. Não
se pode deixar lixo algum na região. Quem contamina tem que limpar o
dano.
Dois técnicos da Cetesb, a agência
ambiental de São Paulo, também chegam a Ferraz. O geólogo Elton Gloeden,
gerente do departamento de áreas contaminadas, chefia a área da Cetesb
que todos os anos faz o diagnóstico das regiões com problemas no Estado,
80% delas provocada por postos de combustível. "Nosso trabalho é muito
urbano. Aqui será muito diferente", explica Gloeden. "Vamos coletar
amostras e caracterizar o problema", diz, sobre sua rotina em Ferraz no
pós-incêndio.
Base Comandante Ferraz em reconstrução:
ao fundo, os módulos emergenciais que vão se transformar em uma
miniestação para cientistas e militares brasileiros
A preocupação ambiental é entender o
impacto do desastre na baía do Almirantado. Até a primeira camada de
gelo da área incendiada foi retirada e enviada para análise, diz Marcelo
Amorim, chefe do departamento encarregado de atender a emergências
ambientais do Ibama. Depois do incêndio, técnicos vieram vedar todos os
locais para preparar o lugar para o inverno. "Queremos evitar danos
maiores", afirma. Há mais de 650 toneladas de sucata dentro do Germânia,
serão 800 ao fim do processo. De lá, tudo irá para o Rio. A previsão é
que o recolhimento dos destroços termine em março.
É a primeira vez de Amorim na Antártida e
ele, como todos, cede ao deslumbramento. "Estamos na maior esperança
que a próxima base seja um referencial de sustentabilidade", anima-se,
enquanto monitora os trabalhos de desmonte.
No fim de janeiro, a Marinha e o
Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) lançaram um concurso para
escolher o melhor e mais adequado projeto para a futura estação.
"Queremos que seja moderna, mas leve em conta a nossa cultura", diz o
contra-almirante Rodrigues, da Cirm. "Estamos tendo um acesso gigantesco
no site do concurso", revela Sérgio Magalhães, presidente do IAB.
"Coisa de milhares", continua. "Há mais de 300 acessos dos Estados
Unidos e outros 200 da Espanha." O concurso é aberto à participação de
arquitetos estrangeiros desde que associados a escritórios brasileiros. A
intenção é promover a inovação.
A professora Cristina Engel de Alvarez é
uma especialista em arquitetura na Antártida, tema que estuda desde
1984. Conhece várias estações referências para o Brasil, como a
americana Amundsen-Scott, a britânica Halley, a espanhola Juan Carlos I
ou a belga Princess Elisabeth. "Queremos tudo o que existe de melhor,
mas temos que ver o que nos serve e o que não", pontua ela, que também é
a coordenadora técnica do concurso. "Não podemos só trabalhar com
energias renováveis e ter emissão zero. Temos que trabalhar com diesel
por uma questão de segurança", completa. A estação belga, que é emissão
zero de carbono, é menor do que a brasileira será e opera apenas no
verão, compara. "Mas é uma estação dos sonhos", diz. Reúso de água e
redes de eficiência energética, do tipo "smart grid", são algo que a
nova estação quer ter. A Marinha pretende começar as obras no próximo
verão. A previsão é que ela custe R$ 100 milhões.
Enquanto o futuro não chega, os módulos
emergenciais estão todos na praia, em Ferraz. Galdino, o chefe da
estação, leva os visitantes ao heliponto que virou o lugar da base
provisória e vem sendo ocupado pelos novos contêineres brancos. Foram
transportados pelo navio argentino San Blas, que está na baía, e
custaram R$ 14 milhões. "Será uma miniestação antártica, diz a
engenheira naval e capitão de corveta Carla Feijó da Costa, envolvida na
operação. Ali haverá lugar para 66 pessoas, pesquisadores e militares
que ajudarão a construir a estação que vai suceder à antiga Ferraz.
Na Antártida, o que é tranquilo vira
urgência: na semana passada, os novos módulos foram testados de
improviso. Todos os envolvidos no desmonte e na construção da base
provisória estavam em Ferraz. No meio da tarde o vento começou a ficar
mais forte, atingiu 90 km/h. Todas as operações marítimas foram
interrompidas, relata o técnico em eletrônica Heber Reis Passos,
responsável por remontar os equipamentos do Inpe. Não havia como
retornar ao Germânia e ao San Blas - 114 ficaram em terra. Parte dos
módulos já estava montada e abrigou 45 pessoas. Outras tantas foram para
as barracas instaladas na praia. "Depois de um dia duro de trabalho,
todos fizeram um mutirão para que pudessem pernoitar", conta.
Passos está em sua 29ª viagem à
Antártida, sendo algumas para o continente. É uma lenda entre os
pesquisadores por colecionar tantas histórias. Tem vivas as imagens do
que viu em março, ao chegar à Península Keller logo depois do incêndio.
"Não era a EACF. Vi uma praia deserta, sem animais no mar e no céu, e um
monte de ferro abandonado. Ferraz é muito diferente. É alegria,
trabalho, dedicação, esforço, superação." Mas agora, um ano depois,
voltou e encontrou tudo mudado.
"Não vou esquecer essa cena", escreveu
por e-mail à reportagem do Valor, descrevendo a noite da ventania. "Eram
21h30, o vento e a chuva comendo soltos. Eu estava chegando perto da
cozinha improvisada, retornando do mutirão para abrigar todo mundo em
Ferraz. Atrás do heliponto, a galera, sob a luz dos holofotes, dos
faróis dos veículos, dos lampejos de solda, estava a todo vapor, no 3º
turno. O pessoal do Arsenal da Marinha, ainda com os macacões sujos da
"faina", passaram por mim sorrindo, mesmo depois de um dia todo de
trabalho e uma noite tenebrosa pela frente." Concluiu: "Ainda não tem
anteparas, não tem divisórias, mas não precisa. O espírito de Ferraz
continua por aqui".
Fonte: DefesaNet
Nenhum comentário:
Postar um comentário