Se o Irã não abandonar seu programa de
armas nucleares, uma coisa é certa na estratégia adotada por Washington
em relação à República Islâmica: haverá mais sanções. Por outro lado,
também é inevitável que, quanto mais as medidas econômicas afetarem os
iranianos médios, mais controvertidas elas se tomarão, principalmente na
Europa.
Portanto, os EUA e aliados deveriam se antecipar e minar a insistência
do Irã numa falsa crise humana afim de enfraquecer o compromisso global
com as sanções. Uma vitória na guerra econômica exige também uma
vitorianas relações públicas.
Poderemos discutir se as sanções, que cortaram pela metade as
exportações de petróleo iranianas, frustraram as aspirações do líder
supremo Ali Khamenei. Entretanto, a discussão é em grande parte
irrelevante. O presidente Barack Obama usa as sanções pela mesma razão
que o presidente George W. Bush as usou: elas são o único recurso não
militar para coagir o regime de Teerã que viola todos os acordos e se
rejeitas as inspeções.
As sanções seriam ainda mais cruciais depois de um ataque preventivo
americano ou israelense sobre as instalações nucleares no Irã. Qualquer
que fosse a gravidade dos danos, americanos e europeus não iam querer
que fossem reparados. Por isso, as autoridades em Washington prometeram
sanções ainda mais rigorosas.
É por esse motivo que deveriam ficar alarmados com as recentes
reclamações do governo iraniano e de ONGs ocidentais bem intencionados,
segundo as quais as pressões exercidas em toda parte lideradas pelos EUA
estão causando falta de remédios, de leite em pó e de outros produtos
de primeira necessidade.
Não acreditamos nas denúncias de que as sanções estejam ameaçando vidas
de civis. O regime clerical pode usar as receitas do petróleo para
comprar o que for necessário para evitar uma crise humana. Não existem
sanções contra as importações de alimentos ou medicamentos no Irã. Os
crescentes problemas de saúde na República Islâmica estão muito mais
relacionados à corrupção e às preferências de gastos do regi me do que
às sanções.
Mas os EUA precisam ser honestos e abertos em suas medidas a fim de
também serem claros a respeito dos meios , necessários para impedir que
os iranianos doentes acabem morrendo. O governo Obama e o Congresso
pretendem tornar as sanções suficientemente rigorosas para obrigar
Khamenei a fazer uma escolha fundamental - o regime ou a bomba antes que
o programa nuclear atinja o ponto em que lhe seja possível construir
rápida e secretamente uma bomba. Os EUA e aliados europeus querem que a
elite governante iraniana - que travou uma profunda luta interna, uma
guerra devastadora com o Iraque, e há mais de 30 anos enfrenta uma queda
constante do padrão de vida - tenha medo das consequências políticas de
um colapso econômico.
Considerando o progresso do regime no campo nuclear, serão necessárias
novas sanções para paralisá-lo imediatamente. Um recente relatório do
Projeto sobre a Estratégia de Não Proliferação EUA-Oriente Médio destaca
meados de 2014 como a data na qual Teerã deverá atingir a "capacidade
crítica" de produção de urânio enriquecido para a construção de uma
bomba antes que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ou os
serviços de inteligência ocidentais possam detectar.
Os iranianos poderão chegar lá ainda mais depressa se conseguirem
operar as modernas centrífugas recentemente instaladas ou aperfeiçoar
seu reprocessamento de plutônio, como anunciou há pouco. O pior é que as
centrífugas mais avançadas são mais fáceis de ocultar, pois exigem um
volume de água e laboratórios menores.
Contra essa ameaça, nos encontramos com uma arma de certo modo pouco
prática. Não existem "sanções inteligentes" que permitam punir a elite
iraniana e poupar o homem comum. O Irã tem uma economia profundamente
socializada e a Guarda Revolucionária, que supervisiona o programa
nuclear, é responsável por praticamente todo o setor econômico,
principalmente na área de energia. É impossível atingir os guardas ou
Khamenei sem abalar toda a economia.
O fato de o regime controlar a economia iraniana foi a base para as
sanções aprovadas por Obama no mês passado, que criam uma estrutura
muito mais forte para o embargo comercial imposto pelos EUA ao Irã. Elas
têm como alvo as companhias estrangeiras que têm negócios com os
guardas ou com entidades iranianas que fazem parte do governo, ou atuam
como seus agentes ou instrumentos. A não ser que as companhias
estrangeiras vendam produtos de primeira necessidade, ou sejam
beneficiadas por exceções limitadas relacionadas às compras de petróleo,
precisarão encontrar um parceiro privado sem ligações com os guardas ou
o governo. Em setores estratégicos dá economia iraniana, isso é
praticamente impossível.
As autoridades americanas também decidiram endurecer o embargo
financeiro para atingir as reservas em divisas estrangeiras que o Irã
mantém em bancos no exterior. O Congresso prepara uma legislação
destinada a convencer o Banco Central Europeu (BCE) a fechar o acesso ao
seu sistema de pagamento em bancos europeus a toda instituição
financeira que ajuda o Irã a usar ou transferir seus ativos em euros.
Isso é possível, pois essas transferências em euros são processadas por
meio do sistema de pagamentos interbancários Targetz do BCE. As
diretrizes do BCE proíbem o acesso ao Target para as , pessoas que
praticam "lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo, atividades
nucleares sensíveis em termos de proliferação e desenvolvimento de
sistemas de lançamento de armas nucleares". Essa linguagem descreve
literalmente o regime iraniano.
Em que resultariam todas essas novas medidas? Muito provavelmente no
colapso da moeda do Irã nos próximos 18 meses. Neste caso, o governo
Obama precisará se preparar desde já para os inevitáveis efeitos. O
governo de Bill Clinton não estava preparado na questão do Iraque.
Talvez as sanções da ONU lideradas pelos americanos tenham sido
decisivas para dissuadir Saddam Hussein nos anos 90 a dar prosseguimento
a seu programa de armas de destruição em massa. Mas na guerra de
relações públicas, os EUA foram profundamente abalados, em grande parte
porque o regime iraquiano violou consistentemente o intercâmbio para
fins humanitários, e a Casa Branca não conseguiu responder às críticas
da Europa e de outras regiões, segundo as quais as sanções estariam
causando um desastre humano - como as denúncias de que as operações
americanas matavam milhares de criancinhas iraquianas todos os meses.
Críticas semelhantes ao tratamento destinado por Washington ao Irã já
estão chegando à Europa e a instituições globais da área de saúde. Mas à
medida que elas afetam mais profundamente a economia iraniana, e no
caso de o regime melhorar suas relações públicas, o sentimento contrário
às sanções poderá aumentar rapidamente na Alemanha, a principal
parceira comercial europeia do Irã. Na Europa e nos EUA, onde muitos
círculos de política externa já concordaram que o Irã tenha a sua bomba,
as sanções poderão parecer gratuitas, cruéis e contraproducentes.
Com sua inação na Síria e a nomeação de John Kerry ao cargo de
secretário de Estado, e Chuck Hagel como secretário da Defesa, o governo
Obama deixou claro que tem pouco interesse em novas intervenções
militares no exterior. A guerra econômica deverá se alastrar cada vez
mais. Na realidade, as sanções afetam profundamente o homem comum assim
como afetam esse regime cruel, mas a desvantagem para os ocidentais
avessos ao risco não é tão grande quanto a possibilidade de um
prolongado conflito no exterior. / Tradução de Anna Capovilla. Fonte: Estadão
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