Fábricas de helicópteros - Apesar da crescente demanda, o mercado talvez não comporte
O Brasil já tem uma fábrica de helicópteros e
pode ganhar outras duas. Apesar da crescente demanda militar e do
pré-sal, o mercado talvez não comporte
No mezanino, um salão amplo e retangular,
sem divisórias, abriga dezenas de estações de computadores. As poucas
cabeças brancas contemplam, organizam, o movimento da maioria de jovens.
Lá embaixo, na linha de produção, a cabine de um helicóptero espera sua
vez. Demorará alguns meses até a aeronave estar apta a voar, mas a
carcaça depenada e sem pintura tornou-se motivo de orgulho para os
trabalhadores imersos nos terminais na parte superior.
O EC725 de número 24 representa o ponto de inflexão da montagem dos 50
helicópteros encomendados pelas Forças Armadas Brasileiras ao custo de
1,8 bilhão de euros (cerca de 6 bilhões de reais). O acordo prevê a
transferência de tecnologia e um índice de 50% de nacionalização das
peças, porcentual a ser alcançado ao longo da produção. Grande parte dos
recém-formados engenheiros e projetistas instalados no mezanino deve
seu trabalho a esse projeto. Quando os últimos helicópteros forem
entregues, em 2020, e os primeiros voltarem à pequena Irajubá para a
manutenção, e tiverem peças substituídas, o índice será plenamente
atingido em todas as aeronaves. "Esse helicóptero (número 24) é o mais
cru, o menos completo que chegou da fábrica francesa. Todo o resto será
feito aqui, inclusive os testes de voo", explica Eduardo Marson,
presidente da empresa.
O contrato com as Forças Armadas abriu uma nova perspectiva para a
Helibrás e para a produção de helicópteros no Brasil. Hoje uma
associação entre a majoritária Eurocopter, consórcio franco-alemão, o
governo de Minas Gerais e investidores privados brasileiros, a companhia
nasceu em 1978 incentivada pela ditadura e com o objetivo de produzir
aeronaves 100% nacionais, nos moldes da Embraer. O fim do regime e a
crise econômica dos anos 1980 adiaram os planos. Nas duas décadas
seguintes, a empresa viveria de encomendas militares esporádicas, da
manutenção dos aparelhos e das vendas do Esquilo, o mais popular
helicóptero entre as polícias estaduais e também entre empresários e
celebridades nacionais.
O EC725 e sua versão civil, o EC225, cujo principal mercado tende a ser
o transporte de passageiros para as plataformas de petróleo em
alto-mar, capacitarão a empresa a finalmente realizar o sonho de sua
criação. "A terceira etapa desse projeto é um helicóptero brasileiro que
integrará o portfolio mundial da Eurocop- ter", promete Marson. "Da
primeira à última fase, tudo será desenvolvido no País."
Para atender os antigos clientes, cumprir o cronograma com as
Forças Armadas e projetar a aeronave nacional, a Helibrás fez um
investimento inicial de 420 milhões de reais e pretende triplicar o
número de funcionários. Em 2009 eram 260. Em 2015 serão quase mil, entre
eles, centenas de engenheiros e projetistas altamente qualificados.
"Contratamos, em média, quatro funcionários por semana nos últimos anos.
E manteremos o ritmo pelos próximos", afirma Marson.
O potencial dos mercados civil e militar no País tem despertado o
interesse de concorrentes. Em janeiro deste ano, a Embraer anunciou a
disposição de montar uma joint venture com a italiana AgustaWestland, do
polemico grupo Finmeccanica. Um mês antes, a Odebrecht informou sobre a
assinatura de um memorando de intenções com a estatal Russian
Technologies para produzir equipamentos militares, helicópteros
inclusive.
Além do aumento dos gastos de defesa, a demanda das empresas que
operam nos campos de petróleo em alto-mar explodirá. Em uma década, o
transporte anual de passageiros realizado apenas pela Petrobras saltará
de 600 mil para 1,5 milhão, segundo as previsões. Seria
preciso, no mínimo, dobrar a frota atual. Somem-se ao cenário a promessa
do governo federal de manter o plano de modernização da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, as encomendas das polícias estaduais e os
gastos dos novos milionários. A Helibrás, por exemplo, instalou um
escritório de vendas no Nordeste para atender aos pedidos dos
empresários que surfaram no explosivo crescimento econômico da região na
era Lula.
Entende se a euforia, mas o que os especialistas se
perguntam é se o Brasil comporta três fábricas de helicópteros. Ou se o
"excesso" de produtores não impediria o mais importante avanço
tecnológico em curso: a produção de um helicóptero 100% nacional. Nâo há
país no mundo com tantos fabricantes em seu território. Nos Estados
Unidos, de longe o maior mercado, existem dois.
Tal competição acirraria a disputa por uma mão de obra extremamente
escassa e de difícil formação, o que pressionaria os custos de produção,
e por recursos igualmente limitados e geralmente concentrados nas mãos
do poder público. Nesse ambiente, importar helicópteros talvez seja um
grande negócio, mas desenvolvê-los internamente, nem tanto.
"Ao olhar para os contratos possíveis na área de defesa ou para as
oportunidades no setor de óleo e gás, não vislumbro como poderíamos ter
três fábricas aqui. Ou mesmo duas. Obviamente, as empresas são
experientes e vão fazer os cálculos para saber se compensa ou não"
afirma Jairo Cândido, diretor do Departamento de Defesa da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo.
Segundo o empresário, a necessidade do setor de óleo e gás restringe os
modelos viáveis de helicópteros. Como as plataformas serão instaladas
distantes da costa e em mar aberto, as aeronaves precisam ter capacidade
de transportar um número razoável de passageiros e autonomia para voar
longas distâncias.
Para a Embraer, o potencial de vendas justifica novos investimentos.
"Estudos preliminares mostram um mercado importante para helicópteros
bimotores, de médio porte", informa a companhia por e-mail. "A presença
de outras empresas no setor (iria) reforçar a capacidade do Brasil nessa
área."
Obviamente, não é o que pensa a Helibrás. "É louvável o interesse do
País em atrair investimentos externos. Mas isso não pode ser feito a
qualquer custo. A demanda vai crescer? Vai. Mas o que isso representa?
No caso do 725 e do 225, falamos de 150 helicópteros ao longo de muitos
anos, para uso civil e militar."O mercado aeroespacial está longe de ser
o paraíso da livre concorrência. Ao contrário. Seu desenvolvimento está
intimamente ligado às estratégias dos Estados Nacionais. A produção é
complexa, o número de fornecedores é limitado e as indústrias em geral
dependem das compras governamentais e dos financiamentos de bancos
públicos. O consumo civil cresce na esteira das en¬comendas de defesa.
No Brasil, a carteira de empréstimos do BNDES para o setor soma cerca de
8 bilhões de dólares e tende a aumentar.
Decisiva no sucesso ou no fracasso a dos empreendimentos no setor,
Brasília parece, por ora, alheia ao assunto. Ou ao menos deseja
transparecer um rela¬tivo distanciamento. "A notícia de novas fábricas é
ainda um assunto restrito a negociações privadas nas quais não
interferimos. Até o momento, de ação pública, há a compra dos 50
helicópteros da Helibrás", afirma Mauro Borges, presidente da Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial (Abdi), subordinada ao
Ministério do Desenvolvimento. "A política, de qualquer maneira, é
clara. O principal instrumento de incentivo são as margens de
preferência nas compras governamentais. Mas, para ser incluído, qualquer
fornecedor precisa cumprir as exigências de conteúdo nacional."
No Ministério da Defesa, a ideia de mais uma fábrica de
helicópteros no Brasil não é vista, em princípio, como ruim, embora as
Forças Armadas considerem embrionário o plano da Embraer. Uma fonte do
ministério explica: o setor militar tem necessidades distintas. Uma das
versões do EC725 da Helibrás, adaptada a pedido da Marinha, será
equipada com mísseis, o que permite ataques a navios (não a submarinos).
A maioria dos helicópteros servirá, porém, para transporte de tropas.
As forças, diz a fonte, precisam também de aeronaves de combate com
outras características.
Nesse caso, querer e poder são verbos inconciliáveis. O Orçamento da
Defe¬sa subiu de 45 bilhões de reais em 2009 para 65 bilhões em 2012,
mas continua aquém do necessário e abaixo dos gastos dos demais BRICS
(1,5% do PIB ante 2,4%, em média, na China, Índia, Rússia e África do
Sul). Em um país em busca de dinheiro para construir aeroportos,
estradas, ferrovias e escolas, fica difícil imaginar que os
investimentos, embora crescentes, alcancem em curto espaço de tempo o
patamar das outras economias emergentes. Sob qualquer ótica, a disputa
se dará por migalhas.
O mercado de defesa tornou-se um nicho importante de negócios
para a Embraer e uma maneira de compensar a redução de encomendas no
se¬tor civil provocada pela crise financeira internacional. Na
quarta-feira 27, a empresa anunciou a venda para a Força Aérea
norte-americana de 20 Super Tucanos, um avião de treinamento e ataque
leve, seu modelo de maior aceitação no exterior. O contrato soma 427
milhões de dólares. Ate setembro de 2012,1 8% do faturamento de 8,2
bilhões de dólares da Embraer veio de vendas militares. "É uma vitória
da industria nacional", declarou Celso Amorim, ministro da Defesa, sobre
o contrato com os Estados Unidos.
Além dos Super Tucanos, já consolidados, a companhia de São José
dos Campos (SP) desenvolve um avião cargueiro por encomenda das Forças
Armadas Brasileiras. Faria sentido apostar nos helicópteros? "A empresa
deve se perguntar quais os riscos e as van¬tagens de entrar em uma área
de negócios na qual não possui expertise" avalia Cândido, da Fiesp.
A própria Embraer tem sido cautelosa desde o anúncio da parceria em
janeiro último. Talvez a causa seja a confusão em que se meteu o futuro
sócio italiano. Em meados de fevereiro, o presidente da Finmeccanica,
Giuseppe Orsi, foi preso na Ilália. O grupo é acusado de pagar propina
ao governo da Índia em troca de um contrato de 560 milhões de euros por
12 helicópteros da Agusta.
O escândalo resvala no Brasil: as testemunhas, ex-funcionários do
grupo, disseram à Justiça que o ex-minístro da Defesa Nelson Jobim
receberia 11% de suborno se o País comprasse 11 fragatas italianas pelo
valor de 5 bilhões de euros. Pelos cálculos, o capilé negociado pelo
ministro seria de 550 milhões de euros, mais de 1 bilhão de reais. Se
verdadeiro, seria um esquema de proporções faraônicas. A transação
envolveria um reconhecido escroque, Valter Lavitola, "homem de
confiança" do ex- premier Silvio Berlusconi, e o então ministro de
Desenvolvimento italiano, Cláudio Scajola. Lavitola organizou um
bunga-bunga durante a visita de Berlusconi a São Paulo.
A compra só não se concretizou, dizem as testemunhas, por causa do
embaraço diplomático causado pela decisão do governo brasileiro de não
extraditar o assassino Cesare Battisti. Jobim nega as acusações. A
Embraer informa que aguardará o desfecho dos recentes acontecimentos,
enquanto analisa as condições para a joint venture.
O memorando de intenções entre a Odebrecht Defesa e a estatal russa foi
firmado em dezembro passado. Não se sabe ainda como o acordo evoluirá,
mas ele se integra a um esforço de aproximação recente entre os dois
países. No fim de 2012, Dilma Rousseff visitou Moscou. Em fevereiro, o
primeiro ministro Dmitri Medvedev retribuiu a visita e esteve em
Brasília. O assunto helicóptero não constou da pauta, mas o Palácio do
Planalto acertou a compra de três baterias antiaéreas russas por cerca
de 800 milhões de euros. Os milit ares queriam sete. O Brasil tem uma
demanda específica com a Rússia: quero fim dos embargos à carne
nacional, mercado avaliado em 1,5 bilhão de dólares por ano.
O governo nega o objetivo de trocar a exportação de carne pela
importação de armamentos. Diz que a compra era ne¬cessária, que essas
baterias antiaéreas foram bem avaliadas pelas Forças Armadas e que o
acordo incluiu exigências de conteúdo nacional. Os caminhões sobre os
quais ficarão as baterias, informa uma fonte, serão produzidos pela
Avibras. Essa mesma fonte definiu assim a vulnerabilidade do sistema de
defesa nacional: se um avião inimigo quiser voar ate Brasília e lançar
uma bomba no Palácio do Planalto, não encontrará resistência.
É uma justificativa plausível. Mas permanece no ara impressão de que o
Brasil opta mais uma vez por comprar máquinas e vender commodities, em
desfavor do próprio avanço tecnológico.
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