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domingo, 11 de agosto de 2013

Médicos militares fazem jornada dupla em regiões críticas


PEC que permite emprego nas redes pública e privada regulamenta prática já comum nos quarteis
Leticia Fernandes
Hospital de campanha. Militares socorrem paciente com dengue no Rio, durante a crise na Saúde em 2005 depois das ruas

Enquanto o governo federal vê na aprovação da PEC 122 uma saída para a baixa adesão ao Programa Mais Médicos, parte dos médicos militares já vem acumulando cargos extraoficiais na rede pública de saúde do interior e de cidades de fronteira. Mas, além dessa dupla jornada já ocorrer mesmo com os profissionais sendo proibidos de atuar fora das Forças Armadas, os militares alocados no Sistema Único de Saúde (SUS) em áreas críticas não ultrapassam 10% do efetivo total das Forças Armadas. E, mesmo que a PEC 122 venha a ser aprovada pelo Congresso, não se pode garantir que um número expressivo de médicos militares vá atuar na rede pública, já que eles também terão carta branca para trabalhar na rede privada.
De acordo com o Ministério da Defesa, 90% dos médicos militares estão nas capitais e grandes cidades. Em alguns municípios, os hospitais militares são a única opção de saúde disponível para os moradores. Em Sant"Ana do Livramento, no extremo Sul do país, na fronteira com o Uruguai, a Secretaria municipal de Saúde admitiu que médicos militares alocados no município já cumprem dois expedientes, atuando nas unidades de saúde fora do expediente do quartel. Em Tabatinga, no Amazonas, que faz fronteira com o Peru e a Colômbia, o Hospital de Guarnição do Exército, com apenas quarenta leitos, é o único da rede pública da região, o que faz com que moradores de municípios vizinhos e até estrangeiros atravessem a fronteira em busca de atendimento. A cidade receberá dois médicos no Programa Mais Médicos, do governo federal. Hoje, tem apenas 13 profissionais, que atuam em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e no Programa Saúde da Família.
- O hospital militar hoje se sente sobrecarregado, com a estrutura física inferiorizada, já que tem que atender os 55 mil habitantes de Tabatinga, e mais o público flutuante, de cidades vizinhas, além de colombianos e peruanos que atravessam a fronteira. Devido a essa situação, a gente coloca os médicos militares para ajudar nas equipes de saúde pública fora do expediente deles. Outra dificuldade é a redução no quadro de profissionais militares que estão vindo para a fronteira. Agora, só vêm voluntários - conta Herton Augusto Dantas, Secretário municipal de Saúde de Tabatinga.
O subdiretor de Saúde do Exército, general Gilberto Franco Pontes Neto, admitiu a existência de médicos com dupla função em áreas críticas. Para ele, não há resistência dos profissionais militares a atuar no interior e nas cidades de fronteira, e a entrada em vigor da PEC 122 pode atrair muitos médicos para zonas carentes:
- Com certeza, nessas áreas mais críticas, em que o Exército está presente para fazer atendimento de saúde, já existe esse tipo de atendimento no expediente extraoficial, especial. O médico tem um expediente que lhe possibilita atender à necessidade da comunidade local. Com a aprovação da PEC, regulamentaremos toda essa possibilidade e esse será um fator de atração. Essa comunidade é atendida em nossos hospitais militares, atendemos indígenas, estrangeiros, trabalhadores rurais, porque é a única estrutura de saúde existente. É preciso muito mais orientação do que tecnologia. Sou médico militar e escolhi ir para o interior porque era um desafio, uma experiência que agregaria valor, mesmo sabendo do baixo nível tecnológico existente, mas essas são coisas que partem do coração. A gente tem muitas pessoas hoje que pensam assim. Aqueles que não pensam assim e têm que ir, vão ter que se adequar.

40% dos médicos estão na fronteira
O Ministério da Defesa estima que o total de médicos militares em atividade no país é de 3.800. Destes, 1.200 são profissionais temporários, com alta rotatividade - estudantes de Medicina que prestam serviço militar obrigatório, mulheres e voluntários, que ficam no mínimo um e no máximo oito anos nessas áreas - e 2.600 profissionais de carreira. Mas a conta não fecha: só no Exército são 2.830 médicos - 40% atuando em cidades de fronteira -, cerca de 74,4% do total das três forças, que se encontram nos 56 hospitais militares do Exército, e nas 482 enfermarias de quarteis do país. Já a Aeronáutica dispõe de 1.605 profissionais, divididos entre os dez hospitais da Força Aérea Brasileira. A Marinha tem 983 médicos - 596 só no Sudeste, e apenas 29 no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e 35 na região que abrange Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima - num total de 5.418 médicos militares, o que ultrapassa o número divulgado pela Defesa.
Os médicos militares são deslocados com frequência para regiões inóspitas, de difícil acesso, para comunidades indígenas e ribeirinhas da Amazônia, e são treinados para atuar em situações de calamidade pública. A Aeronáutica tem um hospital de campanha móvel, com sede no Rio, utilizado em momentos críticos. Em 2005, durante a crise na Saúde na gestão do então prefeito Cesar Maia, a Marinha montou um hospital de campanha no Campo de Santana, procurado por mais de duas mil pessoas. Já a Aeronáutica atuou, por exemplo, no auxílio às vítimas da tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em janeiro deste ano. O destino desses médicos é definido por mérito, dependendo do desempenho obtido ao longo da formação médica.
A PEC 122 estende aos profissionais de Saúde das Forças Armadas a possibilidade de acumular cargos nas redes pública e privada, fora da área militar. Com isso, o médico passa a ter os mesmos direitos a que têm acesso os servidores civis. A aprovação da PEC, de 2011, de autoria do senador licenciado Marcelo Crivella, abre aos profissionais das Forças Armadas a possibilidade de acumulação de cargos ou empregos na rede privada com profissão regulamentada. Uma das justificativas é deter a escalada de desligamentos desses militares.



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